Artigo Nº 12,
Tav-Shin-Mem-Hey, 1984-85
“Jacó morou na terra onde
seu pai havia vivido, na terra de Canaã.” Está escrito em O Zohar (Vayeshev,
item 11): “Rabi Chiya começou e disse, ‘Muitas são as aflições do justo, mas o
Senhor o liberta de todas elas.’ Mas o justo que teme ao seu mestre, quantas
aflições sofre ele neste mundo de modo a não acreditar ou participar na
inclinação do mal? E o Criador o salva de todas elas. Este é o sentido daquilo
que está escrito, ‘Muitas são as aflições do justo, mas o Senhor o liberta de
todas elas.’ Lá não diz ‘muitas para o justo,’ mas ‘Muitas são as aflições do
justo.’ Isto indica que aquele que sofre muitas aflições é justo pois o Criador
o deseja, dado que as aflições que ele sofre o removem da inclinação do mal e
desta forma o Criador deseja essa pessoa e a salva de todas elas.”
Devemos entender estas
palavras:
1) Isto implica que aquele que sofre muitas
aflições é justo e aquele que não sofre muitas aflições não é justo.
2) Por que deve ele sofrer muitas aflições se
ele não quer que a inclinação do mal participe com ele?
3) As palavras, “E por esta razão o Criador
deseja essa pessoa e a salva de todas elas,” significa que o Criador não salva
outras pessoas, Deus nos livre? Pode isto ser?
4) Ainda mais perplexo,
por um lado isso diz que os problemas que ele sofre o removem da inclinação do
mal. Por outro lado ele diz que o Criador o salva de todas elas, ou seja que o
salva de muitas aflições. Logo, ele se aproximará da inclinação do mal uma vez
mais, dado que a razão que o removeu da inclinação do mal foi cancelada.
Nós devemos interpretar
suas palavras. Aqui está um versículo que diz respeito a isto (Kidushin 30b):
“Rabi Shimon Ben Levi disse, ‘A inclinação do mal o supera cada dia e o
procura condenar à morte, como foi dito, ‘O ímpio observa o justo e procura
condená-lo à morte.’ Não fosse a ajuda do Criador, ele não a teria superado,
como foi dito, ‘Deus não o deixará na sua mão.’’”
Em Masechet Sucá (p
52), há outro versículo semelhante: “A inclinação do mal tem sete nomes.
Salomão lhe chamou “inimigo,” como foi dito (Provérbios, 25), “Se teu inimigo
tiver fome dá-lhe pão; se ele tiver sede dá-lhe água para beber, pois tu
queimas brasas na sua cabeça e o Senhor te pagará.” Não o pronuncie Yashlim [pagará],
mas como te Yashlimenu [complementará].
De acordo com RASHI, “Se
tua inclinação tem fome e deseja transgressão, dá-lhe pão e incomoda-a com a
guerra da Torá, como está escrito (Provérbios, 9): ‘Ide, comei do meu pão.’ ‘Dai-lhe
a água da Torá para beber,’ como está escrito sobre isso (Isaías, 25), “Todos
aqueles que têm sede, vão para água.’ ‘Te complementará’ significa que tua
inclinação estará completamente contigo, te amará e não te incitará a pecar a
estar perdido do mundo.”
Para entender tudo o
citado devemos saber que a essência da inclinação do mal — que é chamada a “essência
da criação,” que o Criador criou em existência a partir da ausência — é a
vontade de receber. É sabido (ver nas introduções) que isto é algo de novo que
não existia antes que Ele o tivesse criado. A obra do homem é somente trabalhar
no oposto à sua natureza — uma vez que por natureza ele precisa de zelar
somente pelas necessidades do amor próprio
— ele não tem desejo de trabalhar pelos outros.
Embora vejamos que por
vezes as pessoas realmente trabalham pelas outras, isto é possível ver somente
se elas forem recompensadas pelo seu trabalho, nomeadamente que a vontade de
receber fique satisfeita com isso. Isto é, a recompensa deve satisfazer o amor
próprio; inversamente um não pode sair dos vasos de recepção por natureza.
Porém, ser capaz de
realizar acções em prol de doar e não receber qualquer recompensa é desnatural.
E embora vejamos que há pessoas que se matam a si mesmas pelo seu país e não
querem nada em troca, isso é porque seu país é muito importante para elas e
essa importância é também natural, como disseram nossos sábios, “O favor do
lugar está com seus habitantes.”
Porém, há certamente uma
diferença na medida do favor, não para todos o favor é o mesmo. É por isso que
há muitos que se voluntariam para o exército devido à importância de sua pátria,
mas penso que isto não é tão perigoso que suas vidas estejam em jogo, “pois Eu
vejo que muitas pessoas regressam ilesas da guerra.”
E se há por vezes morte certa, elas não estão dispostas a ir para a morte certa, excepto alguns
escolhidos em quem a pátria é importante. Mas aqui, também, o poder da
recompensa está envolvido, pois ele pensa que depois de sua morte todos saberão
que ele foi dedicado ao público e que ele esteve acima de todos os outros pois se
preocupou com o bem-estar do público.
Mas no trabalho do Criador,
quando uma pessoa caminha no caminho da verdade, ela deve trabalhar em
humildade para que os externos não tenham garra. Isto é, ao servir o Criador
ele não terá a garra de trabalhar para os externos, ou seja que as pessoas fora
dele saibam sobre sua obra, então ele trabalha devotadamente para que as
pessoas no exterior digam que ele estava acima das pessoas comuns. Isto o
assiste na sua habilidade de trabalhar sem retribuição, para que as pessoas no
exterior digam que ele trabalhava somente pelo Criador. O Criador deu este poder
às criaturas pois “de Lo Lishma [não pelo Seu bem] chegará ele a Lishma
[pelo Seu bem],” e não terá ele qualquer assistência do exterior. Ele consegue
concretizar isso se primeiro tiver Lo Lishma, mas ele não deve
permanecer em Lo Lishma, Deus nos livre.
Este é o sentido daquilo
que nossos sábios disseram (Sucá, 45), “Qualquer um que junte trabalhar
pelo Criador com qualquer outra coisa é desenraizado do mundo, como foi dito, ‘Somente
pelo Senhor.’” O sentido de “somente pelo Senhor” é que não haverá mistura de
amor próprio de todo, mas somente pelo Criador. Este é o sentido da palavra, “somente.”
Ainda assim, há um
problema fundamental para entender aqui. Devemos discernir se uma pessoa é
devotada em prol de adquirir alguma coisa. Até se ela receber a recompensa pelo
público, isto é certamente uma grande coisa pois se a recompensa que ela recebe
não é por amor próprio mas pelo amor pelos outros, pois ela ama os outros e se
condena à morte por eles, pelo benefício do público, mas não há dúvida que se
ela pudesse alcançar a mesma coisa ao não abdicar de sua vida, ela teria
escolhido esse outro caminho. Isto assim é pois para ela a chave é receber a
recompensa pelo público e não o trabalho. O contentamento que ela pode trazer à
sua pátria é o que a faz trabalhar, desta forma ela não considera o meio pelo
qual obter essa coisa pela pátria. Se ela visse que especificamente ao abdicar
da sua vida pelo país (podia ela trazer contentamento ao país), ela está
disposta a fazer isto, também.
Reciprocamente, com o amor
pelo Criador, nós dizemos que uma pessoa deve trabalhar somente pelo Criador,
ou seja sem qualquer recompensa. Significa isto que ela está pronta para a
devoção completa sem qualquer recompensa, sem qualquer retorno nascer de sua
devoção. Em vez disso, este é o núcleo — seu propósito, que ela quer anular seu
eu perante o Criador, ou seja (cancelar) sua vontade de receber, que é a
existência para o Criador. É isto o que ela quer anular perante o Criador.
Sucede-se que esta é sua meta, ou seja que sua meta é dar sua alma ao Criador.
Isto assim não é na
corporalidade em respeito ao amor pelos outros. Embora este seja um grande grau
e nem todas as pessoas conseguem trabalhar pelo público geral, ainda assim,
devoção é somente um meio e não uma meta e ela estaria mais feliz se pudesse
salvar o público sem abdicar da sua vida.
Questionemos todos aqueles
que se voluntariam para ir para a guerra pelo seu país. Se alguém os pudesse
aconselhar sobre como salvarem seu país sem perderem suas vidas, certamente
ficariam felizes. Mas quando não há escolha, eles estão dispostos a ir, pelo
público, para que o público receba a recompensa, enquanto eles abdicam de tudo.
Embora esta seja uma grande força, ela nada tem a ver com devoção pelo Criador,
onde devoção é a meta e aquilo que resulta não é seu propósito, pois esta não
era sua intenção. Deste modo, devoção na espiritualidade é o oposto: devoção é
a meta.
Com isto vamos entender o
sentido de receber em prol de doar. O propósito do homem é somente doar sobre o
Criador, pois este é o sentido da equivalência de forma, “Tal como Ele é
misericordioso, também tu és misericordioso.” Quando ele alcança o grau de
devoção ao Criador por se querer anular a si mesmo em prol de deleitar o
Criador, ele vê que o propósito do Criador, pois foi esse o pensamento da
criação, é de fazer o bem às Suas criações. Nessa altura ele quer receber o
deleite e prazer que estava no propósito da criação — de deleitar Suas
criaturas.
Isto é chamado “receber em
prol de doar.” Inversamente, ele pode querer receber o deleite e prazer e é por
isso que ele dá tudo, para que ele possa receber. Isto é considerado “doar em
prol de receber.” Mas se seu propósito é doar e ele não tem desejo de receber
para seu próprio benefício de todo, então ele se pode tornar um receptor em
prol de doar.
A respeito da devoção,
escutei de Baal HaSulam que um deve descrever a devoção como encontramos em
Rabi Akiva (Berachot 61b): Disse ele para seus discípulos, “Minha vida
inteira me arrependi do versículo, ‘Com toda tua alma, até se Ele levar tua
alma.’ Eu disse, ‘Quando serei eu capaz de o manter?’ E agora que isto se
tornou realidade para mim, não o vou eu manter?”
Certamente com tal desejo
de doar, quando uma pessoa diz que quer receber deleite e prazer pois este é o
propósito da criação, ela certamente pretende (somente) receber em prol de doar
sobre o Criador.
Com isto vamos entender as
quatro supra citadas perguntas:
Pergunta nº 1) Parece das
palavras de O Zohar que somente aquele que sofre muitas aflições é
justo, mas aquele que não sofre aflições não pode ser justo. Pode isto ser? A
questão é que as aflições se referem à inclinação do mal. Isto é,
especificamente aquele que sente que a inclinação do mal lhe causa muitas
aflições ao não o permitir se aproximar do Criador é chamado “justo.” Mas se
uma pessoa não sente que ela o remove do Criador e não sente que com isto ela
lhe causa aflições, não é considerada justa pois ela não alcançou o
reconhecimento do mal, ou seja que ela a prejudica.
Pergunta nº 2) Por que
deve ela sofrer muitas aflições se ela quer que a inclinação do mal não
participe nela? Isto significa que não há outra escolha senão sofrer aflições.
De acordo com o supracitado, isto é muito simples: Aflições se referem à
inclinação do mal. Se ela não sente que a inclinação do mal lhe causa muitas
aflições, ela não a considera como uma inclinação do mal que ela não quer que
ela participe nela. Em vez disso, ela a considera uma boa inclinação, que lhe trás
somente o bem, então porque não deve ela participar nela? Mas se ela vê as
aflições que a inclinação do mal lhe causa então ela não participa nela.
Pergunta nº 3) Diz O
Zohar que o Criador deseja uma pessoa que sofre muitas aflições. Isto
significa que o Criador não deseja aquele que não sofre muitas aflições? Pode
isto ser? A resposta é que se uma pessoa sente que a inclinação do mal lhe
causa muitas aflições e a pessoa clama para o Criador a ajudar, o Criador
deseja essa pessoa. Mas quando uma pessoa não sente que a inclinação do mal a
aflige, o Criador não a quer pois ela não tem Kli [vaso], ou seja desejo
que o Criador a salve.
Pergunta nº 4) Se o Criador o salva das aflições, ele se conectará novamente com a inclinação do mal.
Resposta: Salvação que vem
do Criador é uma questão diferente da salvação que ocorre na corporalidade.
O mal que toma lugar no tempo de Achoraim [dorso], que é o tempo da ocultação
da face, quando ela vê que ela está sob ocultação, pois é sabido que o menor é
anulado perante o maior e certamente aqui, ao servir o Criador, uma pessoa se
deve anular perante o Criador como uma vela perante uma tocha. Todavia, ela vê
que seu corpo não se anula e é difícil para ela o subjugar e assumir sobre si
mesma fé acima da razão. Nessa altura ela vê que o corpo a aflige ao não querer
assumir o fardo do reino dos céus, pelo qual ela é removida de toda a
espiritualidade.
Sucede-se que um deve acreditar
que o Criador criou o mundo com benevolência e o mal no seu corpo o remove de
todo o bem. Isto é, quando ele vem para aprender Torá, ele acha-o absolutamente
insípido. E também, quando ele chega a realizar certo Mitsvá [boa
acção/correcção], ele o acha absolutamente insípido pois a inclinação do mal no
seu corpo tem o poder de não o deixar acreditar no Criador acima da razão ao
retirar todo o sabor. Quando quer que ele comece a se aproximar de algo
espiritual, ele sente que tudo é seco e sem a humidade da vida.
Quando a pessoa começou
sua obra, lhe foi dito — e ela acreditou no que lhe foi dito — que a Torá é a
Torá da vida, como está escrito, “Pois eles são tua vida e a duração de teus
dias” e como está escrito (Salmos 19), “Mais desejável que o ouro, mais que
muito fino ouro e mais doce que o mel e a colmeia.”
Mas quando um considera
isto e vê que a inclinação do mal é culpada de tudo e sente fortemente que o
mal que ela lhe está a causar, então sente ela em si mesma o que está escrito
(Salmos 34) “Muitas são as aflições do justo.” Isto é, que esse versículo foi
dito sobre ele.
Nessa altura olha ele para
o que o versículo diz posteriormente, “mas o Senhor o liberta de todas elas.”
Nessa altura em que ele começa a clamar para o Criador o ajudar pois já fez
tudo o que pensou que podia fazer, mas nada ajudou e ele pensa que “Tudo o que
aches no teu poder fazer, faz isso,” foi dito sobre ele. Nessa altura vem o
tempo da salvação — a salvação do Criador o libertar da inclinação do mal — à
medida que deste dia em diante a inclinação do mal se renda perante ele e não
seja capaz de o incitar para qualquer transgressão.
Está escrito na “Introdução
ao Estudo das Dez Sefirot” (item 54): “Quando o Criador vê que um completou sua
medida de esforço e terminou tudo o que ele tinha de fazer em fortalecer sua
escolha na fé no Criador, o Criador o ajuda. Então, ele alcança Providência
aberta, o useja a revelação da face. Então, é ele recompensado com o
arrependimento completo, ou seja que se apega ao Criador uma vez mais com todo
seu coração, alma e força, como se fosse naturalmente atraído para a realização
da Providência aberta.”
Está também lá escrito
(item 56): “A que se parece o arrependimento? Quando Aquele que conhece os
mistérios venha a testemunhar que ele não regressará à folia.” As palavras, ‘A
que se parece o arrependimento?’ significam “Quando estará um certo que ele foi
recompensado com o arrependimento completo?” Para isto lhe foi dado um claro
sinal: “Quando Aquele que conhece os mistérios vier a testemunhar que ele não
regressará à folia.” Significa isto que ele foi recompensado com a divulgação
da face e então Sua salvação em si testemunhará que ele não regressará à folia.
Isto responde à quarta
pergunta, que se o Criador o salvar da inclinação do mal Ele não o afligirá. O
sagrado Zohar diz que as aflições que o justo sofre são em prol de não
participar nela. Sucede-se que se o Criador o salva e ele vê que Ele não o
afligirá, então ele se conectará novamente com a inclinação do mal, dado que a
única razão pela qual a inclinação do mal o aflige é em prol de não participar
nela. Mas dado que a razão foi cancelada, a situação regressa como antes.
Porém, de acordo com o que explicámos, a salvação do Criador é a
revelação da face, até que o Criador testemunhe que ele não vai pecar. As
aflições que o justo sofre são para ele ser capaz de pedir ao Criador, como
acima dito, “Se não há Achoraim [dorso], não há divulgação da Panim [face].”
Sucede-se que quando há divulgação da face do Criador, tudo é como deve ser.